Na Paraíba, áreas para plantação de frutas e
verduras sem agrotóxicos mostram que a agricultura familiar ajuda a
mudar a sina de sertanejos
Ninguém
acreditou quando a agricultora Maria Verônica de Oliveira, 32 anos,
Verinha para os de casa, resolveu plantar no quintal fruta e verdura sem
agrotóxico. Tinha perdido o juízo. Ali, no Sertão da Paraíba, só se
falava em milho e feijão. Era a ladainha de sempre. Plantar e esperar
que São Pedro ajudasse. Ela não quis conversa. Verinha só estudou até a
2ª série, nunca ouviu falar de Josué de Castro, mas, sem saber, seguiu
ao pé da letra o conselho que o maior estudioso da fome deixou de
ensinamento: “O homem de hoje deve criar o seu futuro. Para não ser
esmagado por ele”. Pois foi o que Verinha fez. Foi criar o seu futuro e
hoje ele é verde e próspero. Em pouco menos de meio hectare, fez uma
revolução.
Dá gosto ver o quintal da agricultora, na zona rural do município de Monteiro. Alface, berinjela, mamão, acerola, tudo fresquinho e saudável. Associada a outros trabalhadores, ela vende sua produção na feira livre e nos supermercados da cidade. Comprou moto, geladeira, carro. A história de sucesso de Verinha foi um casamento de ousadia com oportunidade. A ousadia já nasceu com ela e a oportunidade surgiu quando os técnicos do Projeto Dom Hélder Câmara bateram em sua porta. Eles chegaram com uma conversa de agricultura familiar que agradou os ouvidos da agricultora. Ela enxergou ali a chance de reinventar seu destino. Tinha razão. Em todo o semi-árido, é a agricultura familiar que está mudando a sina Severina do sertanejo de fome e privação.
No
Nordeste ela já responde por 84% da mão-de-obra ocupada na zona rural.
Emprega sem precisar de patrão. Dá sustentabilidade e alternativa onde
antes havia apenas fome e desolação. Só o Projeto Dom Hélder, financiado
pelo governo federal, tem ações em seis Estados da região e investe,
por ano, em torno de R$ 17 milhões. No Rio Grande do Norte, quem está
animado com a novidade é o agricultor Francisco Antônio da Penha, 47.
Ele e outras 30 famílias moram em duas comunidades miseráveis, que
viviam de arrancar lenha para fazer carvão, mas de nome esperançoso:
Sombras Grandes e Milagres, no município de Caraúbas, no Sertão do
Apodi.
Lá, como na
Paraíba, a agricultura irrigada abriu espaço na caatinga para a lavoura
de frutas e hortaliças. “Até os passarinhos estão mais felizes”, diz seu
Francisco. A maior felicidade do agricultor é saber que seus meninos
agora comem três vezes no dia. “Quando vivia no mato, vivia morrendo de
fome. Desde que o projeto da horta começou, não arranquei mais um pé de
pau e a comida não falta mais. E sempre com uma carninha”, faz questão
de dizer, sabendo o luxo que isso significa.
Em
Ribeirão, na Zona da Mata pernambucana, o cenário é de cana e não de
seca. Mas a necessidade de se reinventar para não morrer de fome é a
mesma. Paulo Sebastião cresceu e se formou na terra. Um casamento
herdado de nascimento, embora por muito tempo só pudesse usar esse chão
para desfrute de outros amantes: os donos de usinas que fizeram Paulo e
tantos outros carregarem toneladas de cana ainda na infância e
adolescência. Aos 18 anos, ele se despediu desta mesma terra e partiu
rumo à capital pernambucana, procurar matrimônios menos sofridos e
famintos.
Na cidade, foi
pedreiro, servente, vigilante e cobrador de ônibus. Veio o desemprego e
Paulo, conhecido pelo apelido de Paciência, soube da desapropriação de
alguns poucos hectares na mesma Zona da Mata de onde ele havia partido.
Ele voltou à zona rural, vingando as palavras de Josué: “Este desadorado
amor à terra que sempre lhe fez sofrer, faz com que o homem do Nordeste
a defenda sempre (...) como se ela fosse uma mulher. É como se ele não
pudesse viver longe dela, exilado deste amor”. Paciência, após 20 anos
no exílio da cidade, fincou seu barraco de lona até que finalmente
conseguiu seus cinco hectares.
Agora
cercado pela paisagem uníssona da cana-de-açúcar, na zona rural do
município de Ribeirão, e com a ajuda da capacitação da ONG Sabiá da Mata
e da Universidade Federal Rural de Pernambuco, ele conseguiu construir
um ambiente onde existem 46 tipos de fruteiras e 48 tipos de madeira.
Paciência, a despeito de sua alcunha, fala rápido o que vê em poucos
metros quadrados: abacaxi, açaí, banana, cacau, cajá, caju, café,
cupuaçu, fruta-pão, jambo, mamão, manga, maracujá, pimenta do reino,
pitanga e até mesmo cana-de-açúcar orgânica.
Foram
três anos para recuperar o solo já ácido e erodido pela monocultura
típica da região. A técnica para tanto é chamada de agroflorestamento,
onde veneno e enxada são proibidos. Com as chamadas plantas adubadoras,
ele dispensa químicos e colhe tudo com a mão, alternando sempre o local
onde diferentes espécies são plantadas. Se alimenta de tudo o que colhe e
escoa o excedente de sua produção em mercados locais de produtos
orgânicos.
O próximo passo
de Paciência é beneficiar alguns de seus frutos. Acaba de comprar uma
casa de farinha e um engenho para fazer açúcar e planeja conseguir um
freezer para armazenar polpas. “Quando cheguei aqui e comecei a plantar
as árvores, teve gente que parava perto e perguntava se eu ia comer pau.
Mas isso aqui é a solução para o pequeno agricultor”, diz Paciência.
Verinha e seu Antônio, que estão domando a aridez do Sertão, concordam
com ele.
jconline