sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Esperança verde brota no horizonte

Na Paraíba, áreas para plantação de frutas e verduras sem agrotóxicos mostram que a agricultura familiar ajuda a mudar a sina de sertanejos
Ninguém acreditou quando a agricultora Maria Verônica de Oliveira, 32 anos, Verinha para os de casa, resolveu plantar no quintal fruta e verdura sem agrotóxico. Tinha perdido o juízo. Ali, no Sertão da Paraíba, só se falava em milho e feijão. Era a ladainha de sempre. Plantar e esperar que São Pedro ajudasse. Ela não quis conversa. Verinha só estudou até a 2ª série, nunca ouviu falar de Josué de Castro, mas, sem saber, seguiu ao pé da letra o conselho que o maior estudioso da fome deixou de ensinamento: “O homem de hoje deve criar o seu futuro. Para não ser esmagado por ele”. Pois foi o que Verinha fez. Foi criar o seu futuro e hoje ele é verde e próspero. Em pouco menos de meio hectare, fez uma revolução.

Dá gosto ver o quintal da agricultora, na zona rural do município de Monteiro. Alface, berinjela, mamão, acerola, tudo fresquinho e saudável. Associada a outros trabalhadores, ela vende sua produção na feira livre e nos supermercados da cidade. Comprou moto, geladeira, carro. A história de sucesso de Verinha foi um casamento de ousadia com oportunidade. A ousadia já nasceu com ela e a oportunidade surgiu quando os técnicos do Projeto Dom Hélder Câmara bateram em sua porta. Eles chegaram com uma conversa de agricultura familiar que agradou os ouvidos da agricultora. Ela enxergou ali a chance de reinventar seu destino. Tinha razão. Em todo o semi-árido, é a agricultura familiar que está mudando a sina Severina do sertanejo de fome e privação.

No Nordeste ela já responde por 84% da mão-de-obra ocupada na zona rural. Emprega sem precisar de patrão. Dá sustentabilidade e alternativa onde antes havia apenas fome e desolação. Só o Projeto Dom Hélder, financiado pelo governo federal, tem ações em seis Estados da região e investe, por ano, em torno de R$ 17 milhões. No Rio Grande do Norte, quem está animado com a novidade é o agricultor Francisco Antônio da Penha, 47. Ele e outras 30 famílias moram em duas comunidades miseráveis, que viviam de arrancar lenha para fazer carvão, mas de nome esperançoso: Sombras Grandes e Milagres, no município de Caraúbas, no Sertão do Apodi.

Lá, como na Paraíba, a agricultura irrigada abriu espaço na caatinga para a lavoura de frutas e hortaliças. “Até os passarinhos estão mais felizes”, diz seu Francisco. A maior felicidade do agricultor é saber que seus meninos agora comem três vezes no dia. “Quando vivia no mato, vivia morrendo de fome. Desde que o projeto da horta começou, não arranquei mais um pé de pau e a comida não falta mais. E sempre com uma carninha”, faz questão de dizer, sabendo o luxo que isso significa.

Em Ribeirão, na Zona da Mata pernambucana, o cenário é de cana e não de seca. Mas a necessidade de se reinventar para não morrer de fome é a mesma. Paulo Sebastião cresceu e se formou na terra. Um casamento herdado de nascimento, embora por muito tempo só pudesse usar esse chão para desfrute de outros amantes: os donos de usinas que fizeram Paulo e tantos outros carregarem toneladas de cana ainda na infância e adolescência. Aos 18 anos, ele se despediu desta mesma terra e partiu rumo à capital pernambucana, procurar matrimônios menos sofridos e famintos.

Na cidade, foi pedreiro, servente, vigilante e cobrador de ônibus. Veio o desemprego e Paulo, conhecido pelo apelido de Paciência, soube da desapropriação de alguns poucos hectares na mesma Zona da Mata de onde ele havia partido. Ele voltou à zona rural, vingando as palavras de Josué: “Este desadorado amor à terra que sempre lhe fez sofrer, faz com que o homem do Nordeste a defenda sempre (...) como se ela fosse uma mulher. É como se ele não pudesse viver longe dela, exilado deste amor”. Paciência, após 20 anos no exílio da cidade, fincou seu barraco de lona até que finalmente conseguiu seus cinco hectares.

Agora cercado pela paisagem uníssona da cana-de-açúcar, na zona rural do município de Ribeirão, e com a ajuda da capacitação da ONG Sabiá da Mata e da Universidade Federal Rural de Pernambuco, ele conseguiu construir um ambiente onde existem 46 tipos de fruteiras e 48 tipos de madeira. Paciência, a despeito de sua alcunha, fala rápido o que vê em poucos metros quadrados: abacaxi, açaí, banana, cacau, cajá, caju, café, cupuaçu, fruta-pão, jambo, mamão, manga, maracujá, pimenta do reino, pitanga e até mesmo cana-de-açúcar orgânica.

Foram três anos para recuperar o solo já ácido e erodido pela monocultura típica da região. A técnica para tanto é chamada de agroflorestamento, onde veneno e enxada são proibidos. Com as chamadas plantas adubadoras, ele dispensa químicos e colhe tudo com a mão, alternando sempre o local onde diferentes espécies são plantadas. Se alimenta de tudo o que colhe e escoa o excedente de sua produção em mercados locais de produtos orgânicos.

O próximo passo de Paciência é beneficiar alguns de seus frutos. Acaba de comprar uma casa de farinha e um engenho para fazer açúcar e planeja conseguir um freezer para armazenar polpas. “Quando cheguei aqui e comecei a plantar as árvores, teve gente que parava perto e perguntava se eu ia comer pau. Mas isso aqui é a solução para o pequeno agricultor”, diz Paciência. Verinha e seu Antônio, que estão domando a aridez do Sertão, concordam com ele. 




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